Alessandra Negrini é a Senhorita Júlia
no clássico do teatro realista revisitado
por José Almino e Walter Lima Jr.

 A adaptação transpôs a obra, escrita pelo sueco August Strindberg em 1888, para Brasil do começo do século 21, quando Lula vence a eleição para presidente. Numa festa, a rica filha de um deputado flerta com o motorista e desencadeia o conflito.

Baseada livremente em um clássico da dramaturgia universal, Senhorita Julia, de August Strindberg (1849-1912), ganha nova montagem, com adaptação de José Almino e direção do cineasta Walter Lima Jr, em seu oitavo espetáculo teatral. A Propósito de Senhorita Julia fica até dia 30 de junho, no Centro Cultural Banco do Brasil.

Na nova versão com Alessandra Negrini, o elenco reúne também Eucir de Souza (como Moacir) e Dani Ornellas (no papel de Cristiane). A ficha técnica se completa com José Dias (cenário), Daniel Galvan (iluminação), Angèle Fróes (figurinos) e Ana Bevilaqua (preparação corporal). O diretor Walter Lima Jr. assina ainda a trilha sonora.

No texto original sueco - escrito na penúltima década do século 19 - o conflito tinha por base um rígido e radical sistema de classes sociais. Senhorita Julia era uma aristocrata, filha de um pai militar e tirano, traída por seus conflitos íntimos aliados a doses de álcool e um jogo de sedução com o empregado do pai.

Enquanto no texto do autor sueco, a peça acontece durante as celebrações do  solstício de Verão, quando a patroa participa das comemorações com os empregados, na  adaptação de José Almino a história se passa no dia da vitória de Lula, quando o Brasil vislumbrava mudanças.

O clima era de entusiasmo e expectativa de novos rumos para a sociedade. A intenção primordial da adaptação é aproximar o conflito central do texto de origem com a realidade sociopolítica brasileira, criando novas perspectivas de compreensão para o público.

A trama conta a história de uma aristocrata que se envolve com Moacir, o motorista do seu pai, construindo um jogo onde a dominação se inverte a cada instante. Rica, filha de deputado, Júlia organiza uma festa em seu quintal. Quer dançar com todos e acaba flertando com o motorista, interpretada por Eucir de Sousa, namorado da personagem vivida por Dani Ornellas.

Conflitos e diferenças entre sexos e classes sociais permeiam e por vezes aprisionam as motivações e o comportamento de cada protagonista, num jogo de sedução e humilhaçãque irá se revelar um pesadelo.

Villa-Lobos, cozinha e adaptação
Em seu oitavo espetáculo teatral, o diretor e roteirista Walter Lima Jr. traduziu a estrutura dramática de Strindberg para a realidade brasileira. “O texto oferece a possibilidade de uma leitura universal, pode ser montado em diferentes culturas. Na Suécia do autor havia visível separação de castas. Aqui também existem as diferentes classes sociais.” Walter Lima lembra que Nelson Rodrigues já aproveitara esse conflito antes, em A Mulher sem Pecado.

No cenário, três vigas erguidas dão a ideia de uma casa antiga, com uma cozinha embaixo, onde se desenrola a ação. A luz é ambiente, por vezes atingindo um tom expressionista. Na introdução do espetáculo, uma peça de Villa-Lobos é tocada com arranjo moderno. Walter Lima compara este teatro à música. “Para mim, a peça é uma espécie de Jazz. Tem um tema e a possibilidade de improvisação. Claro, obedecendo a regras rígidas.”

O diretor – que trabalha com arquétipos do teatro moderno - não economiza elogios ao elenco. “Alessandra Negrini é uma atriz visceral, que incorporou a personagem de forma magnífica. Eucir de Sousa, é um ator de grande vitalidade, com quem estou tendo uma oportunidade maravilhosa de trabalhar. Dani Ornellas, que atuou em Subúrbia, Rede Globo, é uma atriz rica e interessante.”

Para José Almino, o que está em questão em Senhorita Júlia “é o jogo, com os seus indeterminantes - em que se envolvem três pessoas, movidas por desejos, projetos, ressentimentos, cálculos ou paixões, reunidas em um instante extremo, no decorrer de uma noite. São coisas próprias da vida e matéria excelente para teatro”.

De acordo com ele, “para explicar o comportamento ou o destino de Julia, é possível apelar para muitas outras coisas, além das que são frequentemente evocadas: o conflito entre classes ou o papel da dominação e da submissão na relação amorosa”.

A mulher atormentada e o motorista
A Senhorita Júlia, de Alessandra Negrini, é “uma mulher atormentada pela busca do outro, do amor, de uma integridade que solucione ou           atenue a dualidade que a consome.Tipicamente Strindberg”, define a atriz.

Para Alessandra, “o maior desafio na construção da personagem foi transpor seus dilemas para a contemporaneidade. Acabamos chegando ao essencial, o eterno conflito entre homem e mulher, entre a liberdade e o amor, entre o feminino e o masculino, e a luta de classes também, mais presente até no personagem masculino.”

Com o diretor Walter Lima Jr, a atriz já havia feito dois filmes Os Desafinados e Um Crime não Nobre (ao lado da atriz italiana Ornella Muti): “É um diretor maravilhoso, entende profundamente o ator, sabe ampará-lo e deixá-lo livre para criar”.

“Moacir é um cara humilde, filho de cozinheira, motorista da casa onde sua mãe trabalhava e onde ele passou toda a sua infância. Apaixonado desde criança pela filha do patrão, que ele odeia, inveja e ama ao mesmo tempo”, diz Eucir de Sousa, completando que seu papel “é lindo, bem complexo e cheio de nuances”. O ator  explica ter construído o personagem “com base no momento político do Brasil. A ascensão de um operário a presidente da República e a transformação desse mito no decorrer dos dois mandatos”.

Eucir se emocionou ao ver Lula subindo a rampa. “Também me decepcionei bastante depois. Gostaria de dividir essa sensação com a plateia, a trajetória do Moacir pode ser um pouco parecida. Na minha leitura, ele começa um bom moço, tímido, humilde e apaixonado. Depois mostro algumas de suas outras facetas. Tecnicamente tenho tentado desconstruir as falas na tentativa de deixar mais popular o seu jeito de falar.”

“Nesta noite somos todos iguais”, diz a protagonista para os dois empregados da casa, dando origem a uma aproximação sedutora e conflituosa, que questiona os limites da liberdade individual. Nesse embate, a fragilidade da condição feminina ou o poder do dinheiro podem levar a um abismo intransponível e a um desfecho trágico.

Strindberg é considerado o pai do teatro moderno. Viveu numa época de efervescência. Presenciou momentos importantes, como o surgimento da psicanálise de Sigmund Freud, a eclosão dos movimentos socialistas. Um período de revoluções que ele incorporou em suas obras. Inseriu quebras de tempo e espaço na narrativa de suas peças, elementos que mudaram a maneira de fazer teatro, além de ter criado tramas que mergulham diretamente nas relações humanas.

Palcos e Cinema

Com a carreira construída majoritariamente no cinema, em filmes premiados como Menino de EngenhoBrasil Ano 2000A Lira do DelírioInocência e A Ostra e o Vento, Os Desafinados, entre outros, Walter Lima Jr. vem se tornando cada vez mais assíduo nos palcos. Assinou a direção de espetáculos como Dois na GangorraComendo entre as refeiçõesFica comigo esta noiteHedda Gabler e A confissão, Repetition.

Alessandra Negrini volta aos palcos após Os Credores, também de Strindberg. Em São Paulo esteve em cartaz com A Senhora de Dubuque, de Edward Albee, ambas em 2011. No cinema aguarda a estreia nacional do longa Abismo Prateado, de Karim Ainouz, com o qual ganhou o prêmio de melhor atriz no último Festival de Havana.

Sobre o autor August Strindberg (1849/1912), sueco, nascido em Estocolmo, é conhecido mundialmente como escritor, ensaísta e dramaturgo. Foi isso e muito mais: jornalista, crítico social, profundamente interessado tanto na ciência (química, medicina, ciências políticas) quanto no ocultismo e na estética. É um dos mais importantes dramaturgos da história, ao lado de Henrik Ibsen e Anton Tchecov. Homem de letras, novelista, poeta, pintor, idealizador do “teatro íntimo”, que funcionou de 1907 a 1910, escreveu a maior parte dos dramas intimistas quase sempre referidos ao casal, ao casamento como armadilha, explorando ao infinito as contradições e ambivalências entre o pensar, o sentir e o agir. 

Com suas obras em prosa e seus dramas, foi o precursor do naturalismo na Suécia e, ao mesmo tempo, o grande destaque do expressionismo e do surrealismo no mundo. Em suas peças autobiográficas, recriou ainda a sua problemática pessoal: três fracassos matrimoniais, solidão e abatimento espiritual. As suas obras impregnadas pela tristeza, “O Pai” (1887) e “Senhorita Júlia” (1888), assim como as peças “Páscoa” e “A Dança da Morte” (ambas de 1891), ilustram esses conflitos. “O Pelicano”, “Sonata dos Espectros”, “Casa Queimada” e “A Tempestade” (de 1907) já assinalam o caminho para o simbolismo. Após ter passado um longo período na França, na Suíça, na Alemanha e na Dinamarca, Strindberg regressou a Estocolmo em 1899, onde fundou, em 1907, o Teatro Íntimo. Morreu em 1912, de câncer no estômago, deixando romances autobiográficos, peças teatrais, poesia, pintura e ensaios sobre os mais diversos assuntos.

Sobre o diretor - Diretor e roteirista nascido em Niterói em 1938, foi assistente de direção de Glauber Rocha em Deus e o diabo na terra do sol. Seu primeiro longa-metragem foi Menino de engenho (1965), uma adaptação do romance de José Lins do Rego. Ganhou os prêmios  Urso de Prata (Festival de Berlim) e Concha de Ouro (Festival de Cartagena), em 1968, com Brasil ano 2000. Em 1977, com A lira do delírio foi prêmio de melhor filme no Festival de Brasília. Em 1983, com Inocência  arrebatou prêmio de direção em Brasília e prêmio Coral no Festival de Havana. Nos anos 1990 dirigiu, sob encomenda de um produtor americano, O monge e a filha do carrasco (1995).

Fez também A ostra e o vento (1997), baseado no livro de Moacir C. Lopes, selecionado para a competição do Festival de Veneza. Para a televisão, fez documentários e minisséries, como Capitães da areia e Dossiê Chatô. É professor de cursos de direção de atores e assistência de direção para cinema no Rio de Janeiro. Na sua filmografia selecionada, destaque, ainda, para MPB de câmara, canção brasileira (2012), Thomas Farkas (2003), Uma casa para Pelé (1992), Ele, o boto (1986), Chico Rei (1985), Inocência (1983, prêmio de melhor direção no Festival de Brasília e prêmio Coral no Festival de Havana), Joana Angélica(1979), Na boca da noite (1970).

Serviço:
A propósito de Senhorita Júlia - Estreia dia 20 de abril, sábado, às 20 horas, no Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112. Centro. São Paulo – SP. Tel: (11) 3113-3651 / 3113-3652. Teatro (125 lugares). Ingresso: R$ 6,00 e R$ 3,00. Venda na bilheteria do CCBB e pelo sitewww.ingressorapido.com.br. Temporada: 20 de abril a 30 de junho. Sextas e sábados às 20h e domingos às 19h. IMPORTANTE: a partir de 5 de maio temporada aos domingos às 18 horas.  Duração - 90 minutos. Classificação etária: 14 anos. www.bb.com.br/cultura

ARTEPLURAL  Fernanda Teixeira - 11. 3885-3671/ 9948-5355
Adriana Balsanelli – (11) 99245-4138
Facebook – Arteplural

Assessoria de imprensa CCBB SP:
Alexandre Yokoi
Tel: (11) 3491 4655